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Mufrisque-se

Quando as liberdades minguam no cotidiano, quando o conflito resiste às tentativas da ação neutralizante e da omissão neutral, a solução, já disse Arnan, é mufriscar. Completar a bem-vinda foice da interrogação eliciada no outro com um bom naco de potências criativas e afirmativas de subjetividade.

Verbo alvissareiro e convidativo, igual modo, para outra circularidade que se quer anunciada. Complementarem-se as pontas dos extremos, quiçá enamorarem-se. E talvez, lamber o mundo, em meio a tantas guerras e flores, tal feito por Zarrão, após aquela taumaturgia principial. 

Fazer-se desentender para entrar em acordo consigo mesmo, ultrapassar as instâncias ordinárias do pensamento, da linguagem e do comportamento para criar e possibilitar novas formas de  existência a partir de uma única imanência transvalorada. A melhor dizer, de imanência única. Pôr-se, assim, orgulhoso e caminhante na trilha sinuosa, ladeada pela alteridade e pela individualidade, sem ornar, tampouco soterrar, as relações sociais que fazem parte de nossa vida.

Como resistência a tais imposições e desafios, o que fazer senão mufriscar, fazer pansemia em uma só palavra, liquidificar o léxico na verdade moral do enunciador, instalar a dúvida seguida do bondoso esquecimento de todos, seja num átimo, pressionado, contudo exitoso, por tantas odiosidades. Aos benevolentes, a senha para se aproximar das intenções do enunciador. Nelas a verdade do enunciador, volante tudo o mais.

Devorando a régua de morte, cravando os caninos naquele acrílico antinatural, salvava-se Arnan pela incompreensão dos demais, queimando sedas invisíveis que só ao chão, tempos depois, seriam percebidas. Aos melhores, compreendidas. “Drogar-se, não se drogaria, mentir, mentiria a si mesmo, seduzir por seduzir, não seduziria, adular, faça-me o favor, cair na porrada, costumava dar problema depois... Muito menos valer-se do silêncio, aquela malevolência insegura, despropositada, perfumada quanto mais intensa a incômoda putrefação, adiável porque o relógio trincado estaria sempre na mão de relojoeiros mais hábeis”. Assim expresso naquele elogio da admiração e da franqueza.

Um bem entoado mufrisque-se, portanto, aí a chave semântica das inventividades que não vão às alturas para se excitarem pelos sons dos aplausos - não raro, marca da grupalidade monotônica e monolítica. É, antes, a fenda arcana para evadir-se a eles, arborizar liberdades e convidar a todos para, perfectíveis, caminharmos por uma existência mais admirante e admirável, mais feliz e livre.

Âncora 1

 * Sobre o neologismo, ver capítulo 23 (Mufriscou), de Quem era Tatâni? (2022).

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